terça-feira, 25 de outubro de 2011

"7"

"Revestido da virtude do alto, este homem se aquecia mais com o fogo divino que tinha por dentro do que com a roupa que lhe recobria o corpo." (2Celano 69,1)

Um dia, em Assis.
O jovem Francisco parece um tanto quanto 'louco'. Andou em meio aos leprosos, peregrinou por capelas em ruínas e até distribuiu as melhores peças de tecido de seu pai aos mendigos da cidadela.
Ele já foi longe demais!
Seu pai o leva até à autoridade. Neste caso, o bispo.
Quando todos os presentes pensavam que o juízo seria reestabelecido à cabeça daquele moleque, uma nova travessura os surpreende:
Nudez!
Francisco tira sua roupa e a devolve a seu pai. Mas tamanha é a segurança de seu ato, que parece revestido de algo que as vistas dos que o cercam não enxergam.

Pois bem, é esse o lugar e o problema desta reflexão: a 'nudez revestida' de Francisco de Assis.
Francisco se coloca nú, assim como a criancinha recém-nascida. Francisco renasce para um vida nova. E é necessário não só a nudez física, que age mais como sinal visível do que prático, mas sim uma nudez espiritual, pura, quase ingênua. Como a do bebê à beira da pia batismal.

Francisco se desnuda para se aproximar e beber da principal pia, se saciar da verdadeira fonte que é Deus!
De fato ele não está nú: o próprio Cristo empresta seus farrapos de manjedoura à Francisco. E não só no momento do 'renascimento', mas também o revestindo com os trapos da cruz, quando Francisco está próximo do fim.
Não importa se era primavera ou outono, verão ou inverno. O fato é: Francisco se manteve espiritualmente nú durante todos os anos que se seguiram até sua morte, acalentado e aquecido pela força do Espírito Santo.
E foi assim, que Francisco se deixou conhecer: por não ter nada. Apenas Deus (que não é pouca coisa), em sua Trindade perfeita, e alguns pedaços de pano que cobriam seu 'santuário carnal'.

E nós?
Para nos identificarmos com as causas do assissiense utilizamos de tantos recursos banais: taus, camisetas, bonés, mochilas etc.
E pior: aqueles que, muitas vezes se identificam como "os que seguem o Seráfico Pai mais de perto", e que recebem como sinal maior de sua dedicação ao carisma uma cruz de pano (o hábito), em sua maioria¹ o abandonam às traças, em um cabide, mofando em um canto qualquer do roupeiro. (Observação: isso muda quando se aproxima datas importantes como a solenidade do patrono, em que os hábitos são levados ao varal para perder o cheiro de naftalina).
Seria uma tentativa de fazer uma releitura da 'nudez revestida' de Francisco?
Com certeza! Mas uma 'nudez revestida' de trajes finos e caros, que envergonham a nomenclatura da Ordem e sugerem a troca por 'irmãos maiores', ou algo do género. Parece que Francisco já sabia o que viria pela frente:

“Ainda vai ha ver tamanho relaxamento no rigor, e um domínio tão grande da tibieza, que filhos do pobre pai não vão se envergonhar de usar até púrpura (tecido vermelho com o qual é feito a capa dos reis) , cuidando apenas de mudar a cor”. (2Celano 69,13)

Peçamos à Trindade Santa que, por intercessão de São Francisco de Assis, se reestabeleça o verdadeiro sentido da 'nudez revestida' em nossos tempos, de modo a darmos um testemunho coerente de nossas escolhas e chamados.

Assim seja, amém!

Wendell Ferreira Blois
subsecretario de formação

(¹ Quando me refiro a uma maioria, deixo bem claro que não trato de todos os franciscanos, ou mais especificamente, de todos os frades. Pois há uma pequena porção que ainda usa o hábito como sinal visível de sua consagração e devoção ao seu chamado, diferentemente da outra corrente citada no corpo do texto. )

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