quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

JUFRA ENTREVISTA

 É com grande alegria que o Blog Frei Leão apresenta hoje a entrevista cedida pelo nosso querido Frei Vitório Mazzuco. Confira abaixo um pequeno perfil do entrevistado:
 

Frei Vitório Mazzuco Filho é natural de Campo Limpo Paulista, São Paulo. Nasceu no dia 28 de abril de 1953 e ingressou na Ordem dos Frades Menores no dia 20 de janeiro de 1973. Fez a profissão solene no dia 2 de agosto de 1977 e foi ordenado sacerdote no dia 7 de julho de 1979. Estudou Filosofia e Teologia de 1974-1979 no Instituto Teológico Franciscano, Petrópolis. Fez Mestrado em Teologia com especialização em Teologia Espiritual Pontificium Athenaeum Antonianum, Roma, Itália.

Blog Frei Leão - A década de 1970 viu o auge do encrudescimento politico-militar do Brasil. Muitos jovens, sobretudo os estudantes, buscavam se engajar ideologicamente em relação ao regime ditatorial, em sua grande parte, contra o mesmo. Na 'contra-mão' disso tudo, você incia sua caminhada na Ordem dos Frades Menores em 1973. O que se passava na sua cabeça nesse momento? Quais eram as motivações para abraçar o hábito franciscano em meio a um período como esse?

Frei Vitório - Entrei para o Seminário Frei Galvão, Guaratinguetá,SP em 1965, portanto, em pleno golpe militar. Iniciei o 5º ano de admissão ao ginásio, e, de 1966 até 1972 cursei, no Seminário de Agudos,SP o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.Em 1973 iniciei o Noviciado em Rodeio,SC. De modo que o meu período de Formação Inicial foi durante o regime instaurado pelo golpe militar. Minha opção de vida franciscana foi independente do período golpista que passava o país. Eu era um adolescente e nem tinha muita consciência do que estava acontecendo. A conjuntura social não interferiu no processo da minha escolha. Entrei para a vida franciscana por causa de um frade. Eu admirei demais o Frei Dagoberto Romag OFM e quis seguir a vida que ele vivia. Tive um frade como modelo referencial de vida e não uma ideologia vigente no país. Esta não me trouxe ideal nenhum de escolha. Apenas um leve sentimento de patriotismo, mas que veio mais pela euforia que foi ganhar a copa de 1970, e não pela escola que tive neste tempo.

Do período entre 1965 a 1972 guardo um certo anestesiamento que havia nas etapas da educação que antecedia os cursos superiores. Nossos professores estavam ao lado do governo militar. Hino Nacional antes das aulas; bandeiras em sala de aula, métodos direcionados de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Assim como na idade média havia a psicose da heresia, neste período havia também uma certa psicose do comunismo. Tinha gente que via comunista até no prato de sopa que comia. Durante o Noviciado, em 1973 , o foco foi a Vida Religiosa Franciscana, e desliguei-me de rádio e TV. Passei mesmo a ter uma formação política forte e correta, no período entre 1974 a 1979, quando estudei filosofia e teologia em Petrópolis, RJ. Ali fui educado para ter consciência do real, do histórico, do verdadeiro, dos direitos humanos, da cidadania, da justiça, da não violência, dos atentados contra a vida. A partir de 1974 acordei para a real conjuntura do país. Já tinha consolidado em mim o que era abraçar o hábito franciscano e a partir deste período ficou claro o por que e o por quem viver o franciscanismo. Trabalhei mais silenciosamente em formar grupos de reflexão e ação. Usei a música, a literatura, a poesia e a arte. Quem me ensinou verdadeira política, neste período foram alguns dos meus professores de teologia e os artistas deste país. Sou da geração que aprendeu também a pensar o social com Chico Buarque, Geraldo Vandré e tantos outros. Criei grupos de arte ( Grupo Estrela de Oito Pontas, Grupo Raízes, Clube da Cuia ) e a partir daí reunia lideranças e formava para serem multiplicadores de um pensamento sensível e uma prática justa.

Blog Frei Leão - No ano passado, em seu blog, você escreveu uma série de textos intitulados "Espiritualidade para uma vida virtuosa". Temas semelhantes são, aliás, muito comuns em suas publicações, seja em pequenos textos, artigos ou livros. Por que escrever tanto sobre espiritualidade? Qual a relação entre o homem contemporâneo e a espiritualidade?

Frei Vitório - O período pós moderno que vivemos é um retorno ao Sagrado. A modernidade nos deu a técnica, mas não o Espírito. Estamos vivendo o grande momento da busca Espiritual.
A Espiritualidade está em alta. Espiritualidade é a vida vivida segundo o Espírito. O humano contemporâneo é sedento de uma espiritualidade sólida que leve à uma transformação. Convivemos com a evolução técnica, mas precisamos ser também seres humanos evoluídos, e isto só a Espiritualidade pode nos trazer.

Blog Frei Leão - Em 2008 você publicou um série de textos chamados de "O Belo e o Bom". Tendo esses adjetivos em conta, o que é Belo e Bom no franciscanismo contemporâneo? Quais as diferenças entre suas raízes e seu momento atual?

Frei Vitório - Belo é a estética existencial e não apenas arquitetura. A busca de uma harmonia interna que transpareça na exterioridade. Belo é a leveza em oposição a agressividade. Belo é a transparência de valores e virtudes em oposição a ostentação material. Belo é o núcleo, o centro, a coração da pessoa. Belo é beleza existencial em oposição apenas ao culto da beleza física. Hoje crescem as Academias de Malhação do Corpo diminuem as salas de meditação. Hoje o belo se atualiza na personalidade forte e trabalhada que dá serenidade. Bom, bondade...é a graça da partilha. Ser bom é dividir o que se é junto com o que se tem. Bondade é atenção, sensibilidade, justiça, cuidado. Hoje ser bom é estar atento às necessidades da vida e resolver o problema da vida e das pessoas.

Blog Frei Leão - Durante as celebrações pelos 25 anos da Jornada pela Paz(Espirito de Assis) realizada em Assis, e revivida em 2012, você foi convidado como representante católico para um programa TV que falava sobre ecumenismo e dialogo inter-religioso. Essa discussão é muito válida, tendo em vista, principalmente, o 'tiroteio' promovido cotidianamente através da imprensa e redes sociais entres várias denominações religiosas. Como você analisa esses casos? O que é necessário para levarmos adiante a proposta do dialogo e alcançarmos uma certa paz entre determinadas profissões fé? 

Frei Vitório - O franciscanismo sempre dialogou com as tradições religiosas. Francisco de Assis tem bilhete de entrada em todas as culturas e em todas as religiões. Hoje temos muito ecumenismo, que é o diálogo entre religiões que professam a mesma raiz; mas temos pouco diálogo inter religioso, que é o diálogo com outras matrizes religiosas que não são cristãs. O que é necessário é ter convicção que existem muito mais verdades no conjunto de todas as religiões do que nos dogmas isolados e escondidos de cada uma delas. Cada um tem amar apaixonadamente a sua religião, mas respeitar demais a religião do outro.

Blog Frei Leão - Todos nós, de alguma forma, somos 'seguidores' de alguém ou de alguma coisa. E as redes sociais alimentam esse 'seguir', ainda que superficialmente. Parece que  ser um seguidor de algo dá status aos indivíduos que são seguidos, bem como os que o seguem. Como um estudioso franciscano, seria possível levantar um hipótese imaginativa de como Francisco de Assis se portaria em relação a seus seguidores contemporâneos, vem como as redes sociais? Como isso se daria?

Frei Vitório - São Francisco não usaria o facebook. Hoje entre duas pessoas existe um facebook.Como diz Marta Medeiros, as pessoas perderam a memória porque não exercitam encontros corpo a corpo; então precisam de uma máquina para lembrá-los. Francisco escreveu o Cântico das Criaturas porque andou nas terras da Úmbria e viu a beleza do natural. O escritor sagrado do Gênesis só escreveu tudo aquilo depois de olhar de perto a beleza de todo ser criado e poder dizer: foi Deus que fez!. São Francisco criou uma rede de fraternidade de pessoas que viviam ao lado e sentindo o respirar do mesmo Espírito e da mesma presença. Hoje as redes sociais nos informam e nos atualizam de tudo e isto é maravilhoso pela rapidez que isto acontece, mas elas tiram a presença física. São Francisco criou Fraternidade, as redes sociais tem criado pessoas que ,para estarem juntas não precisam de mais ninguém, basta ter um celular, um notebook, um tablet, etc. Não basta seguir algo ou alguém. Tem que se apaixonar e estar junto!

Blog Frei Leão - Em 2012 celebramos os 800 anos do carisma de Santa Clara. Pensando nisso, quais as virtudes ou aspectos da vida de Clara que deveriam ser restaurados e vividos hoje em dia? É possível viver a contemplação tão própria de Santa Clara e das clarissas fora de um claustro? Como?

Frei Vitório - Em primeiro lugar a força da decisão, de saber o que se quer, a vontade bem determinada. Santa Clara conheceu São Francisco quando tinha 13 anos e foi para a Vida da Altíssima Pobreza com 18 anos. Mudou de lugar, deixou a casa dos pais, sem dar um passo atrás. Hoje tem pessoas com mais de 30 anos e que não sabem o que querem ou ainda não se encontraram...A clareza de um projeto de vida dá força às escolhas.
Clara é uma convertida. A conversão de Clara não é só a metanóia grega, isto é, mudar de mentalidade, mas sim a mudança de lugar. Tem muita gente que tem claro as coisas na cabeça, mas não muda de lugar.
Clara é a santa mulher da contemplação. Contemplar é transformar o tempo em templo. Fazer de cada instante, de cada lugar, de cada situação uma manifestação do Senhor. Clara é a Pobre. Pobreza não é ter pouco ou não ter bens materiais, mas é esvaziar-se para acolher. É possuir a Única Riqueza que satisfaz o coração. É ter tudo em comum. Clara é silêncio. Mais do que nunca precisamos do silêncio antes das palavras, o silêncio antes da comunicação, o silêncio antes da ação. Clara é recolhida em Deus. Ela nos ensina que o Senhor não é uma abstração, é Alguém! É o Amado, o Esposo, o Espelho. Clara deu especial atenção às Irmãs enfermas dizendo que elas eram as privilegiadas da fraternidade. Ela nos ensina a olhar com mais atenção todos os que precisam de especiais cuidados. Clara não lia o Evangelho como letra, mas como a própria Encarnação do Amado. Que ela nos ajude a escutar e viver Palavras Encarnadas.

Blog Frei Leão - Ainda sobre Santa Clara, em sua quarta carta a Inês ela escreve sobre a vivencia em fraternidade nesses termos: “Feliz és tu a quem é dado possuir este santo convívio. Qual o sentido da fraternidade atualmente em uma sociedade tão egoísta e individualista? 

Frei Vitório - Fraternidade é isto: santo convívio, santo propósito, é ver no outro e na outra o Anjo. Fraternidade é estar num grupo humano que respira a força do mesmo Espírito. É qualificar as relações; na qualidade das nossas relações existe sempre uma revelação. É consangüinidade espiritual. É levar em conta demais a grandeza do outro e da outra. É estar com alguém e com todos em oposição ao estar só. É irmandade, isto é, carne da mesma carne, sonho do mesmo sonho, unidade! Unidade é reunir o diferente!

Blog Frei Leão - Perguntas curtinhas...

Alegria: A minha primeira chegada na cidade de Assis, na Itália em 1978. Percebi que estava não em um lugar geográfico, mas sim num Lugar do Espírito.
Tristeza: A morte de minha mãe há cinco anos atrás.
Emoção: A última foi ter reencontrado o meu amigo Alberto Moreira no Curso de Franciscanismo de Verão, em janeiro deste ano, em São Pedro,SP. Ele é um dos pensadores franciscanos que mais admiro. Eu vivo sempre de emoções, esta foi a mais recente.
Espanto: Prédios caem no Rio, bueiros explodem, pessoas morrem...o Rio tem 144 pessoas mortas por gás....e a governança assiste sem fazer nada!
Solidão: Existe a solidão que é negativa: alienação e isolamento. Esta eu não tenho e nem a conheço. Existe a solidão positiva que é o Dom de Estar só, isto é, recolher-se de vez em quando para colher. Estar só consigo mesmo para estar melhor com todos. Esta eu pratico de vez em quando...
Esperança: Que a JUFRA se torne a maior força mobilizadora da Juventude deste país!
Desilusão: Ver que há muito tempo nosso sistema político é corrupto e que a impunidade é real neste país.
Amor: É cuidado, é saber cuidar! Por uma ovelha só,pequenina, serei a vida inteira um pastor!
Fraternidade: É o Amor que não sabe ser sozinho.

Blog Frei Leão - Por fim, qual sua mensagem à JUFRA e aos leitores deste blog? 

Frei Vitório - Minhas Amigas e Meus Amigos, eu vibro demais com a JUFRA. Tenho dedicado a minha vida ao Franciscanismo; nos últimos anos mais com a Vida Religiosa Franciscana, com a Ordem Franciscana Secular, e trabalhei muito pouco com a JUFRA...porém conheço jufristas de grande transparência de carisma, de projeto de vida franciscana, de atuação no mundo. A JUFRA é um jeito de qualificar a juventude a partir de um ideal que existe há oito séculos. Francisco é um santo jovem e que puxa e empurra a nossa história para frente. Clara e Francisco são seres humanos evoluídos. Todo jufrista tem que ter esta consciência: ser um apóstolo,ser uma apóstola do humano, isto é, dar um nível mais elevado ao humano a partir dos ideais do Evangelho vividos por Clara e Francisco. Á todos os que leem este blog quero dizer que os sentidos estão no ar. Hoje a internet trouxe tudo para perto. Trouxe um kit de sentidos que podemos escolher. Então façamos sempre uma purificação das nossas escolhas: vamos abraçar somente aquilo que nos coloque num patamar mais elevado!
Obrigado pela paciência em ler esta entrevista.
Paz e Bem!

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